Tropicália, Hélio Oiticica

Um novo modo objetivo de caracterizar certos elementos na manifestação atual da arte brasileira, que se possam erguer como figura autônoma, não-cosmopolita, opondo-se num novo modo ao Op e Pop internacionais.

Nossa pobre cultura universalista, baseada na européia e americana, deveria voltar-se para si mesma, procurar seu sentido próprio, voltar a pisar no chão, a fazer com a mão, voltar-se para o negro e o índio, à mestiçagem: chega de arianismo cultural no Brasil!

A Tropicália, veio contribuir fortemente para essa objetivação de uma imagem brasileira total, para a derrubada do mito universalista da cultura brasileira, toda calcada na Europa e na América do Norte, num arianismo inadmissível aqui: na verdade quis eu com a Tropicália criar o mito da miscigenação – somos negros, índios, brancos, tudo ao mesmo tempo – nossa cultura nada tem a ver com a européia, apesar de estar até hoje a ela submetida: só o negro e o índio não capitularam a ela. Quem não tiver consciência disso que caia fora. Para a criação de uma verdadeira cultura brasileira, característica e forte, expressiva ao menos, essa herança maldita européia e americana terá de ser absorvida, antropofagicamente, pela negra e índia da nossa terra, que na verdade são as únicas significativas, pois a maioria dos produtos da arte brasileira é híbrida, intelectualizada ao extremo, vazia de um significado próprio. (...) É a definitiva derrubada da cultura universalista entre nós; da intelectualidade que predomina sobre a criatividade – é a proposição da liberdade máxima individual como meio único capaz de vencer essa estrutura de domínio e consumo cultural alienado.
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O grande erro é querer-se transformar a cultura, nas suas manifestações, em algo "bem comportado", "bonito", digno dos lares burgueses com seus preconceitos do que seja bom ou mau, etc. Desde de cedo aprendi uma coisa importantíssima: nas manifestações da criação humana tudo vale, principalmente o que violente nosso "bem estar" conformista. Por que então os chamados "cultos" e "sérios" da nossa cultura vivem a dizer: "loucura! Burrice! Retrato do Brasil subdesenvolvido", etc? Na verdade, o retrato negativo dessa cultura brasileira são eles mesmos, com essa eterna mania universalista e acadêmica de serem europeus ou americanos. Daí então vem Flávio Cavalcanti condenar, por exemplo, a música caipira: "Isso é ruim", esperneia ele; "ouça Marcos Valle, isto é bom!". E por aí vai, como se o fenômeno criador fosse algo controlado segundo um padrão de gosto, de bem e de mal, e outros cacoetes burgueses e intelectualóides.

Obra de quem escolhe ou diz isso é bom, aquilo é ruim: os criticóides, a burrice entronizada em alguns jornais e revistas, e os grupinhos semi-intelectualizados da classe média- os burgueses que acham a dama do high society elegantíssima( para mim ela é que de uma cafonice exemplar). Mas, dentro desse contexto, existem exceções, como Maria Bethânia, por exemplo, com toda sua personalidade de grande cantora e sua inteligência lúcida: ela não hesitou em repor Ângela Maria. É impossível que as vivencias que tenho sejam falsas, pensava eu outro dia. Por que é que se fecham as pessoas em conceitos? Adoro os Beatles ou Roberto Carlos, Chico Buarque ou Caetano, Clementina ou Cartola, Luís Gonzaga ou Billy Holliday, Mangueira ou Portela.O difícil é ser total -é preciso para ser criador, ser aberto. 
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Hélio Oiticica

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