Abre-te sésamo, quero sair!, Letícia Garroni

“A afirmação que o meio de comunicação isola não vale apenas no domínio cultural. Não apenas a linguagem mentirosa do locutor de rádio sedimenta no cérebro das pessoas como a imagem da linguagem impede-as de falar umas com as outras, não apenas o louvor da Pepsi-Cola abafa o ruído do desmoronamento dos continentes, não apenas o modelo espectral dos heróis do cinema se projeta sobre o abraço dos adolescentes e mesmo sobre o adultério. O progresso separa literalmente as pessoas. O pequeno guichê da estação ou do banco possibilitava ao caixa cochichar com o colega e partilhar com ele seus pequenos segredos. As janelas de vidro dos escritórios modernos, os salões gigantescos onde inúmeros empregados trabalham em comum, podendo ser facilmente vigiados pelo público e pelos chefes, não permitem mais nem conversas particulares, nem idílios. Mesmo nas repartições, o contribuinte está protegido do desperdício de tempo dos servidores. Mas os meios de comunicação separam as pessoas também fisicamente. A ferrovia foi substituída pelos automóveis. O carro próprio reduz os contatos de viagem a hitchhikers algo inquietante. As pessoas viajam sobre pneus de borracha, rigorosamente isoladas umas das outras. Em compensação, só se conversa num carro o que se discute em outro; a conversa da família isolada está regulada pelos interesses práticos. Assim como toda família com uma renda determinada gasta a mesma percentagem com alojamento, cinema, cigarros, exatamente como a estatística prescreve, assim também os temas são esquematizados segundo as classes de automóveis. Quando se encontram, aos domingos ou viajando, em hotéis onde as acomodações e os cardápios são idênticos em cada faixa de preços, os hóspedes descobrem que se tornaram, com o isolamento, cada vez mais semelhantes. A comunicação cuida da assimilação dos homens isolando-os.” (ADORNO, T. Dialética do Esclarecimento p.183).

Esse fragmento escrito por Adorno traz ideias que me instigam muito. Tudo o que é falado por ele há décadas atrás, tendo em vista toda a realidade da época, continua acontecer ainda hoje. Ora…essa minha última frase pode soar um pouco banal, mas… Sempre percebemos que muitas coisas aconteceram e acontecem; que as tendências vão e voltam; que coisas que pensamos, e que achamos ser novidade – e talvez seja ao menos para aquele que pensou – já foi pensado por alguém anteriormente. A percepção do movimento das coisas é evidente e estimulador, mas há, penso, um movimento circular “acriativo” que é sentido em vários aspectos da vida, música, moda, relacionamentos, movimentos políticos, tendências de mercado, que limita as possibilidades criativas do homem e o faz um mero repetidor da história tendo em vista interesses alheios a ele… Como é que podemos explicar isso? E ainda: “Quais são os efeitos gerados sobre o indivíduo?” Isso sim é o que me instiga, foi sobre isso que me fez pensar o trecho acima exibido.
Para responder à pergunta de “como podemos explicar o movimento circular percebido em vários aspectos da vida”? talvez tenhamos que restringi-la a “algum âmbito da vida”, até porque cada um deles pode ter uma resposta, devido às especialidades de cada um, como também poderíamos ser negligentes pois os efeitos dessa resposta a cada âmbito pode ser diferente. Poderíamos ainda, optar por responder que o que ocorre é a obstrução de uma lei maior do universo, do não perceber o fluir de tudo, a mudança de tudo (Panta rei), que é algo que intuo e acredito, mas que adentraria ao âmbito da crença, e discutir argumentos nesse sentido é sempre algo cercado de dificuldades.


Pois bem, opto por falar do indivíduo! (Pois é isso que me afeta, que me preocupa, a noção de indivíduos que por serem tão iguais poderiam até ser substituídos?) Ora, em todos os âmbitos da vida ali está o indivíduo… Mais ainda, opto por falar de um indivíduo que vive em um tempo capitalista (administrado), e cercado por um turbilhão de informações, tendo como base as informações culturais – já que o marco teórico aqui é Adorno.

O parágrafo anterior é a resposta a nossa pergunta (ou seja, já apresento a resposta, para logo depois impor meus argumentos, o que torna muito mais fácil que vocês concordem comigo…) Resposta simples que cabe em algumas linhas, mas que no seu “backstage” nos revela o papel que foi dado aos indivíduos, como também demonstra o cerceamento das possibilidades humanas.

Não há mais espaço à fantasia e ao pensamento dos espectadores! Há precisamente um adestramento do espectador para que ele se identifique imediatamente com a realidade, promovendo a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural. Dessa forma sob o domínio desse mecanismo as pessoas renegam a sua subjetividade, suas vontades e desejos, e o fazem sem perceber, pois é exercida sobre elas uma manipulação de suas consciências que não dá espaço à reflexão. Que maravilha! Surge assim, um grupo de indivíduos que ao se encontrar com outros, perde a sua individualidade, e isso ocorre como se o indivíduo estranhamente desejasse ser dessubjetivado, surge o “desejo de ser massa”.

O que surge, portanto, é um mecanismo de extrema importância à concepção de cultura contemporânea, que é a concretização das exigências ao controle social de assumir a forma do controle de consciências a fim de minimizar, neutralizar as potencialidades críticas do indivíduo, para que assim assimile-o ao funcionamento do sistema. ”A necessidade que talvez pudesse escapar ao controle central já é recalcada pelo controle da consciência individual.”

É importante notar o fato de que ao se banir a reflexão e optar-se pelo progresso da técnica, o indivíduo é aviltado no seu âmbito mais íntimo. É uma agressão que resulta na fragmentação do indivíduo e logo após opta por dar lugar à razão instrumental, ou seja, o indivíduo e a razão são reduzidos à instrumentalidade.
Por isso, Adorno afirma que: “A Indústria Cultural realizou maldosamente o homem como ser genérico… ele é fungível, um mero exemplar”.

Mas não podemos dizer que a indústria não se interessa pelos homens, pois ela se interessa. Vê os homens como clientes e empregados, enquanto empregados, eles são lembrados da organização racional e exortados a inserir nela com bom-senso, enquanto clientes verão o cinema e a imprensa apresentar-lhes manifestações com um ar de semelhança aos acontecimentos da vida privada das pessoas, em ambas as posições, o homem continua a ser objeto. O que a Indústria Cultural alimenta é que o homem continue a ser a pedra da estereotipia, e isto fortalece a imutabilidade das situações.

Isso traz um ótimo resultado que mostra que o indivíduo é ilusório, que se reduz à capacidade do universal, e que só por não ser mais indivíduo faz surgir a possibilidade de reintegrá-lo totalmente na universalidade. A Indústria Cultural explora com sucesso a fragilidade da sociedade destruindo a individualidade e dissipando a imitação criada através de estereótipos. Adorno se refere a isso da seguinte maneira: “A heroificação do indivíduo mediano faz parte do culto do barato.”

Como consequência dessa digníssima noção de homem, a difusão de mercadorias produzidas tendo em vista o cálculo da eficácia e da técnica se torna muito fácil, já que as pessoas se encontram em uma postura meramente receptiva, e não de análise crítica, em relação a essas mercadorias.

A partir desses notáveis fatos é possível notar a incoerência sobre a qual a cultura massificada se sustenta, qual seja a de uma postura aparentemente democrática e liberal, mas que na verdade realiza impiedosamente os ditames de um sistema de dominação econômica que necessita, entretanto, de uma concordância das pessoas para a legitimação de sua existência. Essa legitimação é mais facilmente alcançada a partir do momento em que os meios de comunicação conseguem isolar as pessoas impedindo a comunicação, o diálogo e a discussão de ideias. Dessa forma, com a individualidade fragmentada e com indivíduos isolados a manipulação das consciências a fim de tê-las a favor de tudo aquilo que os detentores do poder almejam se torna algo fácil de conseguir. Perfeito!

Como se não bastasse, a produção capitalista mantém a massa tão bem presa em corpo e alma que ela sucumbe sem resistência ao que lhe é oferecida. Há a exclusão do novo na cultura de massas, onde a máquina capitalista gira sem sair do lugar ao mesmo tempo em que já determina o consumo, descartando o que ainda não foi experimentado porque é um risco. Nada como temer o novo…

O novo, dessa forma, se reduz mediante sua subordinação à indústria cultural, que consiste na repetição e suas inovações não passam de aperfeiçoamentos da produção em massa. O poder da Indústria Cultural provém de sua identificação com a necessidade produzida e sua ideologia é o negócio. Todas as tendências da Indústria Cultural são absorvidas pelo público através de um processo social inteiro mediado pela diversão. A mecanização atingiu um poderio sobre a pessoa em seu lazer tão profundo que ela não pode mais perceber outra coisa senão o envolvimento total onde o produto é que prescreve toda reação. A Indústria Cultural se gaba da função de distrair, mas na realidade, o prazer com a violência infligida ao personagem de um filme transforma-se em violência contra o próprio espectador.

Por fim, principalmente àqueles que adoram a cultura uma ótima notícia: a Indústria Cultural leva até o fim a mercantilização da cultura, dissolvendo a oposição histórica entre cultura e mercado.

Assim podemos entender que o processo de individuação reflete a lei social da exploração onde todo o indivíduo está marcado por esta mediação social. Essa é uma das possíveis respostas do por que das pessoas mesmo longes uma das outras pensam igual, mantêm hábitos de vida parecidos, cultivam os mesmos sonhos… Será que isso que cada um chama de “EU”, e por consequência, as coisas de “MEU”, realmente o são?

Diante de tudo isso só nos resta orar:

- Que se estimule a crítica, que os indivíduos não cedam a essa dinâmica social, pois o indivíduo deve ser visto como parte integrante de sua própria liquidação, pois, na medida em que ele compactua com os mecanismos sociais de adaptação, mais se aniquila se tornando um ser “dócil e impotente representante último da deformação social”, deixando, portanto de promover sua emancipação.

Abre-te Sésamo, quero sair! Por que temer?

Letícia Garroni Moreira Franco.

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